domingo, 1 de novembro de 2009

ASSASSINATO

É no sufrágio da hora exata
Quando a separação é inevitável
Que o corpo contorce a madrugada
Para extrair-lhe da veia inexata
A seiva do espaço inumerável.
E o sol da visão inalcançável
Funde-se na obscura dor da ação.
Absorve do peito inoxidável
O impacto da luz inolvidável
Que súbito ilumina o coração.
Deixando-lhe o vazio por verbo
E o amor por soneto do substantivo
O sangue talhado sobre o terno
E a bala sonâmbula no inverso
Laminado do corpo inativo.

SEGREDOS

Toda porta leva e traz
Se possível guarda e solta
E se é porta que se arromba
Deixa a casa um pouco torta.

Aportaria sem medo
Na dimensão de teu cais.
Tendo da porta o segredo
Como quem sabe o que faz

Todo corpo leva e traz
Se possível guarda e solta
Mas se é corpo que se aborta
Deixa a alma um tanto morta.

ALMA DE POETA

Minha alma de poeta se divide
Entre o sonho e a realidade,
Dono da loucura e da verdade
O silêncio do mundo me assiste.

Companheiro das forças esquecidas
Que a tormenta da vida me enviou,
Esperança perdida me encontrou
Na revolta das grutas escondidas

Sou quem sente a matéria luminosa,
Que por sobre o papel se desdobra,
As ideias correndo entre as mãos.

Divide-se assim a minha alma,
Sinto um eco no peito que me fala
Sobre as coisas que sentem meus irmãos.

O CARRO DO SOL


Correrá na manhã o carro do sol
Desgrenhado nas patas dos corcéis,
Contra as nuvens tangendo o arrebol
E Faetonte a fitar estranhos céus.

Universo de fogo inconsumível
Espalhado entre céu, terra e mar,
Vendo o sonho do mundo se apagar
Quis a terra, um remédio reversível.

E dos deuses clarões do monte Olimpo
Um olhar de temor foi revelado,
Arquejando na mão um raio alado
Zeus lançou sobre o carro incontido.

Sendo um corpo por ele alvejado
Tendo a vida do corpo se esvaído

ODE À FÊNIX


Na alta pira de mirra celestial
Entre as palmeiras é ornamentado
O berço vil onde será cremado
O corpo triunfal.

E, das entranhas, a luz fenecida.
Da carne do pai, a decomposição.
Átomo súbito da contracepção
Eterna da vida.

Silêncio; com a escuridão o enlace
Embalsamando o corpo secular.
Os gametas da bela ave milenar
Que das cinzas nasce.

E o pecado das imensas dores
Elevando o eterno firmamento.
E no altar do sol o esquecimento
Oblíquo das flores.

SEIOS POÉTICOS

Quando nasce um poema
Nas planícies da lua
A estrela mais nua
Corre pelo espaço.

Um reluzente facho
De matéria psíquica
A mortal mais olímpica
Entre todos os astros

Escreve com seios intactos
E a doce tinta dos mamilos
O que para os poetas são filhos
Escritos para eternidade.

GALOPE TROIANO

Tomei chá de trombeta
Com letras nunca escritas
Debruçado em palafitas
Pálidas vidas palitoladas.

Estrelas virgens mergulhando
No oceano mais profundo
Desfalcando o colar do mundo
Submerso numa xícara de chá.

Poeira cósmica molecular
Traiçoeira como o engano
Ponte abismal, juízo humano
Galopes troianos na beira do mar.

Catedrais catatúmbicas, causcitânicas
Gogorjeiam o leite das matanças.
Sobre a curva do tempo e das lembranças
Frio espinhal de vértebras oculares.


Majestosas batalhas seculares
Entranhadas no ventre da esperança.
Cordilheiras de heróis e de crianças
Devoradas pelo monstro inquisitório.

Abutre que ao mundo impôs velório
Capitalísticos dentes de fome satânica
Trazendo aos olhos o gelo das cerâmicas
Que vestem os túmulos, fúnebres dormitórios.

ANTILÓGICA

As nuvens do teto estão girando
São crianças brotando das paredes
Como flores em cores reluzentes
No espelho da sala vão entrando.

Suas mãos entreabertas rasgam o vidro...
E seus olhos farejam outro mundo
Um portal transparente rompe o luto,
De escuro... Um silêncio poluído.

Sobre a voz vaga um timbre laminado...
E dos olhos os glóbulos de força
São cavalos de vento sobre a louça
Vibratando nas tábuas do assoalho.

Pelo eco dos móveis sorridentes
Ferve o cheiro das cores invisíveis,
As retinas das bocas previsíveis
São visões entre salas confluentes.

E as nuvens do teto são crianças
Pelo ventre do espelho retornando
Como flores de luzes rebocando
O tecido cobalto das infâncias.

PERCEPÇÃO DE UM VISIONÁRIO


Das pernas as gavetas esvoaçastes
Como as crinas de fogo das girafas
Vão manuseando a dor dos gigantes
Na aerografia mística das garrafas.

Do tronco os gametas supersônicos
Vão se esvaindo no gelo dos ventos
E o olho híbrido dos pensamentos
Vai imaginando os novos abrigos

Onde almas vestidas de hidrogênio
Embalam em fogo os braços do gênio
E sua face de névoa e desvario.

E os átomos no sangue se embebedam
E os sombrios nervos se agregam
A errônea edificação do vazio.